domingo, 26 de outubro de 2008

Três escritores em tempo de catástrofe: Castro, Zweig e Eliade (1)

Publicado em Boca do Inferno, n.º 3, Cascais, Câmara Municipal, 1998
Ao Professor Victor de Sá

Três escritores procuraram no Estoril e em Cascais um asilo para o absurdo do seu momento histórico. Apenas um deles era um permanente apátrida de facto, apesar da recente naturalização inglesa. Quando por aqui passou já estava moralmente liquidado. Outro, exercendo funções diplomáticas, vindo do oriente do Ocidente, sentiu-se arrancado à história pela pátria que lhe seria vedada e pela mulher que perdera. A provação do labirinto foi a derrocada do seu mundo, pois só somos quando somos em função de algo e de alguém. Por último, um português, visceralmente escritor, só escritor, por vocação e profissão, impossibilitado de sê-lo como entendia dever ser, agarrando-se como tábua de salvação a outras narrativas com desalento e raiva.
Três escritores que a história nos legou, vivendo condicionados no mesmo espaço geográfico pela tragédia de não-ser, de não poder ser.
(continua)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

poesia de cascais #7 - Joaquim Gomes Mota




Palace Hotel, piscina:
E tão fina
E tão leve
A graça dum corpo que flutua,
Entregue,
À carícia duma água nua.

Despida do azul-verde pano
Que veste o vasto oceano

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

linhas de cascais - Ferreira de Castro



O «Saturnia» desce, lentamente, o Tejo e, à direita, entre as velas do rio, fulge a Torre de Belém, símbolo do país das grandes viagens. Mais abaixo, a luz vespertina enche de colorido as vivendas do Estoril, enquanto lá ao fundo, na serra de Sintra, irisada bruma dá ao castelo um aspecto fantástico.
Já no Atlântico, contornando a costa portuguesa, e, depois, a espanhola, os passageiros que vêm de Nova York entregam-se aos jornais ingleses, recém-comprados em Lisboa, reunindo-se, à noite, não em frente da orquestra, que toca, solitária, no grande salão, mas junto dos aparelhos de telefonia que espalham notícias do Mundo convulso. E, contudo, estende-se, lá fora, um luar sortílego e um mar calmo, numa noite de maravilha propícia a fazer-nos sonhar com as mais belas coisas da vida. Mas o navio está cheio dessa inquietação que, hoje, tortura os homens, no planeta inteiro.

A Volta ao Mundo [1939 / 1940-44]vol. I, 4ª ed., Lisboa, Guimarães & C.ª, 1952, pp. 21-22.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

linhas do horizonte - Giacomo Leopardi / Afonso de Castro


CANTO DO MAR E DA TERRA

Quando o mar adormece e o vento o embala, suave,
Sinto-me percorrer mundos desconhecidos.
Já não me agrada a terra, apenas só a grave
E fluida voz da névoa atrai os meus sentidos.

Mas quando o hercúleo mar ressoa e se recurva,
Em glaucos vagalhões altos e desgrenhados,
Volto os olhos p'rá terra, a que melhor perturba
Meu ser com a magia idílica dos prados.

A terra é bem mais firme, e a floresta espessa
Enche meu coração dum calor inaudito,
Quando o maestro vento, indómito, começa
Sua orquestra, a reger, no palco do Infinito.

Uma árdua tarefa o pescador atura:
A sua casa é um barco, a sua vida é o mar.
Os peixes são p'ra ele uma presa insegura,
E a morte, a velha má, não deixa de o rondar.

Prefiro ouvir o canto errante das nascentes,
Na sombra musical da mata sonorosa,
Quando a martirizada e ruiva luz dos poentes
É a anunciação da noite sigilosa.

domingo, 5 de outubro de 2008

Sheila Jordan em Cascais

São 23 horas e 58 minutos. Acabo de chegar de um dos concertos da minha vida: Sheila Jordan, com Felipe Melo (piano) Bernardo Moreira (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria). Sheila Jordan, 80 anos no próximo dia 18 de Novembro, canta com a energia de 17 e a sabedoria da sua longa experiência. Muito coquette e envolvente. Inesquecíveis estas quase duas horas no Centro Cultural de Cascais, aka Casas Velhas da Gandarinha, aka Covento de Nossa Senhora da Piedade (dos frades carmelitas descalços, finais do século XVI), na respectiva igreja. Entre standards, improvisos, música própria, Beatles («Blackbird», do «grande Paul McCartney» -- S.J. dixit), Jordan cantou-nos também esta:

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Sete Cartas de Luís Cardim a Roberto Nobre (1)

Publicado na Boca do Inferno, n.º 1, Cascais, Câmara Municipal, 1996
São sete as cartas de Luís Cardim que integram o espólio epistolográfico de Roberto Nobre, que agora apresentamos na íntegra, mantendo a ortografia e respeitando escrupulosamente a pontuação. Escritas entre 22 de Maio e 20 de Setembro de 1949, tiveram origem na crítica do autor de Horizontes de Cinema ao filme «Hamlet» (1948), de Laurence Olivier, estreado em Portugal no cinema Tivoli, em 24 de Janeiro do ano seguinte.
O texto de Nobre foi publicado na Seara Nova de 26 de Fevereiro de 1949 e constituiu um rasgado elogio da adaptação, enfileirando-a o crítico com A «Fera Amansada», de Fairbanks, «Romeu e Julieta», de Cukor, «Sonho de uma Noite de Verão», de Reinhardt e «Henrique V», do mesmo Olivier. Estas versões, que ele, do ponto de vista da «estética dinâmica», acolhe jubilosamente, haviam-no já levado a observar parecer ter Shakespeare escrito «não para o teatro, mas para o cinema».
(continua)
 
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