quinta-feira, 19 de abril de 2012

Um escândalo póstumo -- A candidatura de Fernando Pessoa ao lugar de conservador do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães (4)

Em 1927 dera-se algo de novo no panorama literário português, que João Gaspar Simões reputou -- e com justeza, embora ele estivesse sendo juiz em causa própria (4) -- de essencial para que Pessoa encarasse de uma forma nova o seu destino literário e -- por consequência -- pessoal. Em 10 de Março desse ano surgia a presença -- folha de arte e crítica, dirigida por José Régio (1901-1969), Branquinho da Fonseca (1905-1974) e Gaspar Simões (1903-1987). E no manifesto de abertura, para uma «literatura viva», assinado pelo autor dos Poemas de Deus e do Diabo, já estava presente o lugar do futuro autor da Mensagem no seio da segunda geração modernista. Proclamava-se:


«Literatura viva é aquela em que o artista insuflou a sua própria vida, e que por isso                 mesmo passa a viver de vida própria. Sendo esse artista um homem superior pela sensibilidade, pela inteligência e pela imaginação, a literatura viva que ele produza será superior; inacessível, portanto, às condições do tempo e do espaço. E é apenas por isto que os autos de Gil Vicente são espantosamente vivos, e as comédias de Sá de Miranda irremediavelmente mortas; que todos os livros de Judith Teixeira não valem uma canção escolhida de António Botto; que os sonetos de Camões são maravilhosos, e os de António Ferreira maçadores; que um pequeno prefácio de Fernando Pessoa diz mais que um grande artigo de Fidelino de Figueiredo; que há mais força íntima em catorze versos de Antero que num poemeto de Junqueiro; e que é mais belo um adágio popular do que uma frase de literato.» (5)

(4) Ibidem, pp. 98-99.
(5) José Régio, «Literatura viva», presença #1, Coimbra, 10 de Março de 1927, ed. facsimilada, vol. I, Lisboa, Contexto, 1993.


Sol XXI #24, Carcavelos, Março de 1998, p. 9.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Três escritores em tempo de catástrofe: Castro, Zweig e Eliade (4)

Escritor que se fez a si próprio, foi no Brasil que Ferreira de Castro se auto-revelou, no meio adverso de um seringal da Amazónia, entre 1911 e 1914. Será, contudo, em Belém, capital do estado paraense, que vivia ainda sob os efeitos da ressaca de uma rubber-rush -- onde permaneceu até 1919, ano do regresso a Portugal --, que o jovem literato, entretanto trabalhando na imprensa local, editará os seus dois livros iniciais (Criminoso por Ambição e Alma Lusitana, ambos de 1916). Na Biblioteca Pública da cidade, bem fornecida de literatura portuguesa e francesa, Castro tomará contacto, pela primeira vez, na maioria dos casos, com os grandes escritores das duas línguas (2), muitos dos quais permanecerão como referências sua. Falamos, naturalmente, de Zola (1840-1902), mas também de Balzac (1799-1854) e Victor Hugo (1802-1885) ou Camilo (1825-1890) e Eça (1845-1900).



(2) Ver Bernard Emery, L'Humanisme Luso-Tropical selon José Maria Ferreira de Castro, Grenoble, Ellug, 1992, pp. 120-121; id., «Ferreira de Castro et la culture française», Miscelânea sobre José Maria Ferreira de Castro, Grenoble, Centre de Recherche et d'Études Lusophones et Intertropicales, 1994, pp. 53-65.


Boca do Inferno #3, Cascais, Câmara Municipal, 1998, pp. 92-93.

(também aqui)
 
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