domingo, 14 de outubro de 2007

Sob o Signo do «Dragão da Crítica» - Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais* (1)

Por razões pouco compreensíveis, o património literário tem sido o parente pobre dos estudos de história local. (1) No caso de Cascais, essa debilidade é particularmente evidente. Os literatos que o concelho ofereceu ao país não se distinguiram pela notoriedade post mortem, apesar do brilho das suas obras e/ou personalidades, amplamente reconhecidas pelos coetâneos. José da Cunha Brochado (Cascais, 1651 -- Lisboa, 1733), por exemplo, notável diplomata e académico, memorialista e epistológrafo, foi lentamente recuperado durante o último século -- recuperação quase milagrosa, dado o estado de dispersão em que se encontra o seu acervo, em grande parte ainda inédito. José Inácio Roquete (Alcabideche, 1800 -- Santarém, 1870) -- aliás, Frei José de Nossa Senhora do Cabo Roquete, depois de professar no convento de Santo António do Estoril -- politicamente reaccionário, miguelista exilado em Londres e Paris, onde auxiliou o Visconde de Santarém no monumental Quadro Elementar (1842-1854). Autor de uma obra vasta, disse quem a compulsou ser ela um exemplo da conjugação de «beleza literária» com a «substância doutrinal». (2) Da teologia e da história à didáctica e à tradução, estará hoje quase toda irremediavelmente datada -- o que não impede que, pelo menos dum ponto de vista local, conheçamos as suas linhas de força, por exemplo através duma antologia. Trata-se de um imperativo. O mesmo se passa, de resto, com o ensaísta, poeta, professor da Faculdade de Letras do Porto e membro da «Renascença Portuguesa» (3) Luís Cardim (Cascais, 1879 -- Porto, 1958), grande mestre dos estudos shakespeareanos em Portugal, remetido para um limbo de que urge resgatá-lo. (4)

Ferreira de Andrade (Lisboa, 1910 -- Cascais, 1970), olisipógrafo emérito (5) e não menos conspícuo cascaleógrafo (!), constituiu-se como notável excepção, referenciando no Cascais -- Vila da Corte (1964) mais de 30 autores, de Ibn Mucana a Carlos Malheiro Dias, não se limitando, em alguns casos, a compilar referências, mas também a dar conta de investigação própria e publicação de fontes.

Esta comunicação algo errática pretende levantar pistas e incentivar a descoberta do patrtimónio imaterial de Cascais, produzido pelos seus naturais ou pelos que cá viveram e dessa vivência deixaram que as respectivas obras dela participasse.

(continua)


*Texto apresentado às Jornadas do Património de Cascais, no Centro Cultural de Cascais (Gandarinha), em Setembro de 2003.


Notas

(1) «São particularmente reduzidas as bibliografias sobre os patrimónios etnográfico e natural e inexistente qualquer orientação sobre o património linguístico e literário.» Jorge de ALARCÃO, Introdução ao Estudo da História e Património Locais, Coimbra, Instituto de Arqueologia / Faculdade de Letras, 1986 : 6.


(2)Pe. Miguel de OLIVEIRA, História Eclesiástica de Portugal, Mem martins, Publicações Europa-América, 1994 : 253.


(3) Alfredo Ribeiro dos SANTOS, A Renascença Portuguesa -- Um Movimento Cultural Portuense, Porto, Fundação Eng.º António de Almeida, 1990.


(4) Ricardo António ALVES, «Seis cartas de Luís Cardim a Roberto Nobre», Boca do Inferno, n.º 1, Cascais, Câmara Municipal, 1996 : 95-109.


(5) Fernando CASTELO BRANCO, Breve História da Olisipografia, Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa, 1980 : 65-68.

Sem comentários:

 
Golf
Golf