segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Sob o Signo do «Dragão da Crítica» - Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais (4)

O Cânone Poético de Cascais

Cascais passou a ser diferente quando Almeida Garrett (1799-1854) publicou Folhas Caídas (1853). O poema «Cascais», poderosa expressão lírica do romantismo, pela intemperança, volubilidade, transgressão que encerra, veio acrescentar algo ao património cultural cascaense. Não vemos Cascais do mesmo modo depois de lermos este poema, pois a nossa relação com o espaço será inevitavelmente condicionada por ele. A composição tem assim uma dimensão ontológica que altera a percepção, a vivência, em suma a sensibilidade de quantos a lêem em face duma realidade geológica com milhões de anos, até então apreendida sempre da mesma forma pelo homem -- ou, mais rigorosamente, nunca uma estesia semelhante fora manifestada e comunicada desta maneira: «Inda ali acaba a Terra, / Mas já o céu não começa; / Que aquela visão da serra / Sumiu-se na treva espessa, / E deixou nua a bruteza / Dessa agreste natureza.» (16) Garrett, foi, portanto, uma espécie de patrono literário de Cascais, um autor citado sempre que se pretendia mostrar como «estes sítios» (outro poema de Folhas Caídas sobre o espaço cascaense) haviam sido um estímulo para um grande escritor.
Em meados so século XX, o poeta moçárabe (17) Abu Zayd 'Abd ar-Rahman ibn Muqãna (al-Qabdaqi al-Lixbuni), século XI, natural do lugar de Alqabdaq, surge como autor a (re)descobrir. Para além do interesse histórico-cultural da sua poesia -- em que encontramos «uma das mais antigas referências literárias aos moinhos de vento, situados na Europa» (18) -- trata-se também de um excelente poeta do Andaluz. Com a inauguração do monumento que o evoca, da autoria do escultor António Duarte (autor também da estátua de D. Pedro I, no coração da vila), Ibn Muqãna (ou Mucana) foi talvez o primeiro poeta -- em especial com o conhecido «Poema de Alcabideche», objecto de várias versões -- a ser incorporado na bagagem cultural do grande público, mercê também das disciplinas escolares orientadas para as realidades locais que vigoram nos programas de há algumas décadas para cá.
Em meados do anos 60 Cascais tinha dois ex-libris poéticos que ultrapassavam a condição de meras referências literárias, sendo antes dois textos canónicos absolutamente definitivos e adquiridos pela população estudantil e de média formação cultural.
Notas:
(16) Almeida GARRETT, Folhas Caídas, Mem martins, Publicações Europa-América, s.d. : 56.
(17) María de Jesus RUBIERA MATA, Ibn Muqãna de Alcabideche, 2.ª edição, Cascais, Associação Cultural de Cascais, 1996 : 7-8.
(18) Fausto do Amaral de FIGUEIREDO, «Abú Zaíde Ibne Mucana», Cascais e os Seus Lugares, n.º 20, Estoril, Junta de Turismo da Costa do Sol, 1966 : 16.
(continua)

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