segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Sob o Signo do «Dragão da Crítica»: Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais (6)


O Conde de Arnoso e a «Casa de S. Bernardo»

Arnoso e sua mulher, Matilde, à varanda
da «Casa de S. Bernardo»

Há, porém, aquelas casas que se mantêm como memória viva dum rasto, até pela discrição com que atravessaram os anos. É o que se passa com a «Casa de S. Bernardo», do Conde de Arnoso, por si projectada, um dos edifícios mais importantes de Cascais -- pelo que simboliza --, construído no início da década de 90 do século XIX (21) e que, pretendendo opor uma casa ao «estilo minhoto», uma arquitectura nacional, à habitação de veraneio de influência estrangeira, cujo exemplo mais notável é a famosa «Casa Palmela», de Thomas Henry Wyatt (22), inaugura a questão da casa portuguesa. (23)
Sucede que o Conde de Arnoso (Bernardo Pinheiro Correia de Melo, Guimarães, 1855 - Cascais [?], 1911) -- também ele escritor --, além de ocupar funções de Estado relevantíssimas no reinado de D. Carlos I, como seu secretário particular, foi um dos onze elementos dos Vencidos da Vida, grupo que existiu entre 1888 e 1893, em que, entre cortesãos e literatos, pontificaram Oliveira Martins e Eça de Queirós. Este era amigo dilecto de Arnoso, tendo prefaciado o seu primeiro livro, Azulejos (contos, 1886). Eça, amigo também do Conde de Sabugosa (1854-1923), do Conde de Ficalho (1837-1903) e de Carlos Lobo d'Ávila (1860-1895), filho do conde de Valbom, todos eles também homens de letras -- essencialmente erudito o primeiro, académico cientista e excelente contista o segundo, publicista o último -- (Eça) veraneava em Cascais, participando da vida social, frequentando as instalações da «Parada» -- Sporting Club de Cascais, de que foi sócio (24), hospedando-se muitas vezes na «Casa de S. Bernardo». Um fragmento duma carta do autor de Os Maias ao seu amigo «Bernardo, o bom», datada de Paris, em 25 de Julho de 1896, publicada pelo biógrafo brasileiro Luís Viana Filho, é a todos os títulos eloquente: «[..] não te digo a saudade com que penso na varanda de Cascais e nas preguiçosas manhãs passadas a pasmar para a luz e para a água, nas cavaqueiras com prima Matilde, e nas noitadas em que sob o silêncio e a penumbra propícia decidíamos os grandes problemas. Imagino que toda essa delícia aí se está repetindo, e que tem havido na varanda todas as cousas boas, vós, Sabugosas, luar, frescura do mar, e um bocado de guitarra. Dá mil saudades a todos esses queridos amigos da varanda.» (25)*
*Já depois de apresentado este texto, a família Arnoso, que até há pouco mantinha a propriedade da casa, alienou-a à empresa concessionária da Marina de Cascais.
Notas:
(21) Pedro FALCÃO, Cascais Menino, vol. III, Cascais, edição do Autor, s.d. : 240.
(22) Regina ANACLETO, «Um caso singular no goticismo nacional: o Palaceta Palmela», Arquivo de Cascais, n.º 11, Cascais, Câmara Municipal, 1992-94: 103-149.
(23)Raquel Henriques da SILVA, Cascais, Lisboa, Editorial Presença : 74.
(24) Ricardo António ALVES, Eça e os Vencidos da Vida em Cascais, Cascais, Câmara Municipal, 1998 : 58.
(25) Luís VIANA FILHO, A Vida de Eça de Queiroz, Porto, Lello & Irmão, 1983 : 277.
(continua)

2 comentários:

Raquel Sabino Pereira disse...

Bom ano novo, «vizinho»!!!

Ricardo António Alves disse...

Obrigado, «vizinha», também para si!

 
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