segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Sob o Signo do «Dragão da Crítica»: Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais (6)


O Conde de Arnoso e a «Casa de S. Bernardo»

Arnoso e sua mulher, Matilde, à varanda
da «Casa de S. Bernardo»

Há, porém, aquelas casas que se mantêm como memória viva dum rasto, até pela discrição com que atravessaram os anos. É o que se passa com a «Casa de S. Bernardo», do Conde de Arnoso, por si projectada, um dos edifícios mais importantes de Cascais -- pelo que simboliza --, construído no início da década de 90 do século XIX (21) e que, pretendendo opor uma casa ao «estilo minhoto», uma arquitectura nacional, à habitação de veraneio de influência estrangeira, cujo exemplo mais notável é a famosa «Casa Palmela», de Thomas Henry Wyatt (22), inaugura a questão da casa portuguesa. (23)
Sucede que o Conde de Arnoso (Bernardo Pinheiro Correia de Melo, Guimarães, 1855 - Cascais [?], 1911) -- também ele escritor --, além de ocupar funções de Estado relevantíssimas no reinado de D. Carlos I, como seu secretário particular, foi um dos onze elementos dos Vencidos da Vida, grupo que existiu entre 1888 e 1893, em que, entre cortesãos e literatos, pontificaram Oliveira Martins e Eça de Queirós. Este era amigo dilecto de Arnoso, tendo prefaciado o seu primeiro livro, Azulejos (contos, 1886). Eça, amigo também do Conde de Sabugosa (1854-1923), do Conde de Ficalho (1837-1903) e de Carlos Lobo d'Ávila (1860-1895), filho do conde de Valbom, todos eles também homens de letras -- essencialmente erudito o primeiro, académico cientista e excelente contista o segundo, publicista o último -- (Eça) veraneava em Cascais, participando da vida social, frequentando as instalações da «Parada» -- Sporting Club de Cascais, de que foi sócio (24), hospedando-se muitas vezes na «Casa de S. Bernardo». Um fragmento duma carta do autor de Os Maias ao seu amigo «Bernardo, o bom», datada de Paris, em 25 de Julho de 1896, publicada pelo biógrafo brasileiro Luís Viana Filho, é a todos os títulos eloquente: «[..] não te digo a saudade com que penso na varanda de Cascais e nas preguiçosas manhãs passadas a pasmar para a luz e para a água, nas cavaqueiras com prima Matilde, e nas noitadas em que sob o silêncio e a penumbra propícia decidíamos os grandes problemas. Imagino que toda essa delícia aí se está repetindo, e que tem havido na varanda todas as cousas boas, vós, Sabugosas, luar, frescura do mar, e um bocado de guitarra. Dá mil saudades a todos esses queridos amigos da varanda.» (25)*
*Já depois de apresentado este texto, a família Arnoso, que até há pouco mantinha a propriedade da casa, alienou-a à empresa concessionária da Marina de Cascais.
Notas:
(21) Pedro FALCÃO, Cascais Menino, vol. III, Cascais, edição do Autor, s.d. : 240.
(22) Regina ANACLETO, «Um caso singular no goticismo nacional: o Palaceta Palmela», Arquivo de Cascais, n.º 11, Cascais, Câmara Municipal, 1992-94: 103-149.
(23)Raquel Henriques da SILVA, Cascais, Lisboa, Editorial Presença : 74.
(24) Ricardo António ALVES, Eça e os Vencidos da Vida em Cascais, Cascais, Câmara Municipal, 1998 : 58.
(25) Luís VIANA FILHO, A Vida de Eça de Queiroz, Porto, Lello & Irmão, 1983 : 277.
(continua)

domingo, 9 de dezembro de 2007

Casa de S. Bernardo

foto de Luís Miravent
in Raquel Henriques da Silva, Cascais,
Lisboa, Editorial Presença, 1988

domingo, 2 de dezembro de 2007

Sob o signo do «Dragão da Crítica»: Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais (5)

Conhecer casas


Às residências, temporárias ou definitivas, dos escritores associamos as obras que nelas foram produzidas, ou imaginamos tê-lo sido. Várias são as habitações conhecidas, algumas já estão assinaladas pela edilidade, outras, porém, estão por conhecer. Da casa da irmã de Fernando Pessoa (1888-1935), na Rua de Santa Rita, n.º 5, em S. João do Estoril, até à do historiador das religiões Mircea Eliade (1907-1986), adido cultural e de imprensa à embaixada da Roménia em Lisboa, entre 1941 e 1945, morador -- entre outras residências em Cascais --, na Rua da Saudade, n.º 13. (19) Algumas estão em ruínas, como o «Casal da Trindade», do historiador Fontoura da Costa ( a quem me referirei adiante), na Avenida Marginal, em S. Pedro do Estoril; outras, ainda, desapareceram, dando lugar a novas edificações, como sucedeu com o «Chalet Zulmira», onde Ferreira de Castro habitou e escreveu em meados da década de 30. (20)

NOTAS
(19) Embora encontremos nas suas Memórias referências à Rua da Saudade, até hoje só um documento -- uma carta de Mircea Eliade a Ferreira de Castro, em 1945 (Museu Ferreira de Castro: MFC/B-1/3054/Cx. 238), indica o número de polícia da habitação, o que permitiu o descerramento duma placa a assinalar um local onde o grande autor romeno iniciou e escreveu algumas das suas obras mais importantes.
(20) Ricardo António ALVES, «Três escritores em tempo de catástrofe: Castro, Zweig e Eliade», Boca do Inferno, n.º 3, Cascais, Câmara Municipal, 1998 : 91-125.

FOTO: Fernando Pessoa em casa de sua irmã, Henriqueta Madalena, em S. João do Estoril, tirada daqui.

(continua)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Sob o Signo do «Dragão da Crítica» - Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais (4)

O Cânone Poético de Cascais

Cascais passou a ser diferente quando Almeida Garrett (1799-1854) publicou Folhas Caídas (1853). O poema «Cascais», poderosa expressão lírica do romantismo, pela intemperança, volubilidade, transgressão que encerra, veio acrescentar algo ao património cultural cascaense. Não vemos Cascais do mesmo modo depois de lermos este poema, pois a nossa relação com o espaço será inevitavelmente condicionada por ele. A composição tem assim uma dimensão ontológica que altera a percepção, a vivência, em suma a sensibilidade de quantos a lêem em face duma realidade geológica com milhões de anos, até então apreendida sempre da mesma forma pelo homem -- ou, mais rigorosamente, nunca uma estesia semelhante fora manifestada e comunicada desta maneira: «Inda ali acaba a Terra, / Mas já o céu não começa; / Que aquela visão da serra / Sumiu-se na treva espessa, / E deixou nua a bruteza / Dessa agreste natureza.» (16) Garrett, foi, portanto, uma espécie de patrono literário de Cascais, um autor citado sempre que se pretendia mostrar como «estes sítios» (outro poema de Folhas Caídas sobre o espaço cascaense) haviam sido um estímulo para um grande escritor.
Em meados so século XX, o poeta moçárabe (17) Abu Zayd 'Abd ar-Rahman ibn Muqãna (al-Qabdaqi al-Lixbuni), século XI, natural do lugar de Alqabdaq, surge como autor a (re)descobrir. Para além do interesse histórico-cultural da sua poesia -- em que encontramos «uma das mais antigas referências literárias aos moinhos de vento, situados na Europa» (18) -- trata-se também de um excelente poeta do Andaluz. Com a inauguração do monumento que o evoca, da autoria do escultor António Duarte (autor também da estátua de D. Pedro I, no coração da vila), Ibn Muqãna (ou Mucana) foi talvez o primeiro poeta -- em especial com o conhecido «Poema de Alcabideche», objecto de várias versões -- a ser incorporado na bagagem cultural do grande público, mercê também das disciplinas escolares orientadas para as realidades locais que vigoram nos programas de há algumas décadas para cá.
Em meados do anos 60 Cascais tinha dois ex-libris poéticos que ultrapassavam a condição de meras referências literárias, sendo antes dois textos canónicos absolutamente definitivos e adquiridos pela população estudantil e de média formação cultural.
Notas:
(16) Almeida GARRETT, Folhas Caídas, Mem martins, Publicações Europa-América, s.d. : 56.
(17) María de Jesus RUBIERA MATA, Ibn Muqãna de Alcabideche, 2.ª edição, Cascais, Associação Cultural de Cascais, 1996 : 7-8.
(18) Fausto do Amaral de FIGUEIREDO, «Abú Zaíde Ibne Mucana», Cascais e os Seus Lugares, n.º 20, Estoril, Junta de Turismo da Costa do Sol, 1966 : 16.
(continua)

domingo, 11 de novembro de 2007

Alexandre Babo

Alexandre Babo (1916-2007) morreu no passado dia 2 de Novembro no Hospital de Cascais. Natural de Lisboa, foi um destacado oposicionista, membro da Maçonaria e militante do PCP. À frente da editora Sirius, publicou Esteiros de Soeiro Pereira Gomes, com capa de Álvaro Cunhal. Homem de teatro, foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Porto. Autor de várias peças, ensaios, traduções e do interessantíssimo livro de memórias Recordações de um Caminheiro (1993), uma fonte em primeira mão para a história da oposição ao Estado Novo.
Vivia na Parede. Recordo-me de vê-lo assiduamente nas «Conversas de Cascais», iniciativa que coordenei no Museu Condes de Castro Guimarães, entre 1994 e 1997.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Sob o signo do «Dragão da Crítica» - Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais (3)

Aquilino Ribeiro (1885-1963), grande mestre da língua portuguesa, um dos maiores escritores portugueses do século XX, comentava desta forma aquilinianamente degustativa, para o Guia de Portugal, coordenado por Raul Proença, o nosso «Carcavelos»: «saborosa jeropiga de tão grande consumo em todo o país sob o nome de Vinho de Carcavelos, e em Inglaterra, sob o de Lisbon Wine.» (10)
Ferreira de Castro (1898-1984), que viveu e escreveu no Estoril na década de 30 (11), num dos seus livros da primeira fase (eliminada da sua bibliografia), tem este apontamento lúgubre e belo: «Cascais, adormecida, vergastada pelo mar, dir-se-ia uma dessas povoações de pescadores que, vistas de noite, parecem cemitérios devastados.» (12)
Fernando Lopes-Graça (Tomar, 1906 -- Parede, 1994), não só um dos principais compositores portugueses como o mais proficiente musicólogo e ensaísta de música do seu tempo -- e, enquanto tal, autor de uma vasta bibliografia onde se espelha o estilo finíssimo de escritor --, em entrevista a Baptista-Bastos para o semanário Ponto, em 1981: «O meu país é a Parede». (13)

Nem sempre as evocações são agradáveis, não deixando, obviamente, por isso, de ter significado. Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), o imortal autor de Voo Nocturno e de O Principezinho, quando, em 1940, escalou em Lisboa, rumo a Nova Iorque, regista, na Carta a um Refém (1944), aquela consabida expressão de Lisboa como «uma espécie de paraíso claro e triste.» (14) Hospedado no Hotel Palácio, Saint-Ex registou a atmosfera geral, «irreal», dos frequentadores do Casino, como que alheados da carnificina europeia que, não muito longe dali, se desenrolava, dia e noite. «Ia respirar à beira-mar. E aquele mar do Estoril, mar de cidade termal, mar domesticado, parecia-me entrar também naquele jogo. Impelia para dentro da baía uma única vaga mole, toda luzidia de luar, como um vestido de cauda fora da estação.» (15)

NOTAS:

(10) In Raul PROENÇA (dir.), Guia de Portugal I. Generalidades, Lisboa e Arredores [924] Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991 : 612.
(11) Ricardo António ALVES, «Três escritores em tempo de catástrofe: Castro, Zweig e Eliade», Boca do Inferno, n.º 3, Cascais, Câmara Municipal, 1998 : 91-125.
(12) Eduardo FRIAS e Ferreira de CASTRO, A Boca da Esfinge, Lisboa, Livrarias Aillaud & Bertrand, 1924 : Apesar de se tratar duma parceria, não me oferece dúvida o que saiu da pena de um e de outro.
(13) A. BAPTISTA-BASTOS, Um Homem em Ponto. Entrevistas, Lisboa, Relógio d'Água, 1984 : 59.
(14) A. de SAINT-EXUPERY, Carta a um Refém, tradução de Francisco G. Ofir, Lisboa, Grifo, 1995 : 7.
(continua)

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Sob o signo do «Dragão da Crítica» - Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais (2)



Uma localidade distingue-se pela morfologia própria, como pelo conjunto patrimonial que se foi acrescentando ao longo dos tempos. Os grandes escritores, porém, dão-lhe carácter.
Não é difícil encontrar referências a Cascais; elas são múltiplas. Exemplos:
Eça de Queirós (1845-1900), em carta a sua mulher, datada de Cascais, em 11 de Maio de 1898, refere-se à característica nortada primaveril que costuma abater-se sobre a vila, rematando da forma que se segue (e que inspirou este blogue...):
«Cascais é a caverna do velho Éolo, rei dos Aquilões.» (6)

Raul Brandão (1867-1930), registando nas suas memórias a agonia da Monarquia e o clima de fim de festa que por cá se vivia:
«A Parada era a capital do reino de Cascais.» (7)

João de Barros (1880-1960), acompanhando o romancista inglês Somerset Maugham num passeio pela nossa orla marítima:
«Praia do Guincho -- últimas areias da Europa».(8)

Jaime Cortesão (1884-1960), banido pelo regime salazarista em 1940, exilado no Brasil, professor de diplomatas no Itamarati (Instituto Rio Branco), nomeado pelo governo brasileiro comissário da exposição do IV Centenário da Fundação de São Paulo, regressado a Portugal, temporariamente, com passaporte diplomático para pesquisar nos arquivos portugueses documentação que servisse esse importante evento, encontra-se exilado no seu país, numa terra de monarcas exilados, o Estoril, a que chama
«os Paços reais do exílio.» (9)


Notas:

(6) Eça de QUEIRÓS, Correspondência, vol. II, leitura, coordenação, prefácio e notas de Guilherme de Castilho, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983 : 442.
(7) Raul BRANDÃO, Memórias, vol. I [919] Lisboa, Perspectivas & Realidades, s.d. : 214.
(8) João de BARROS, Hoje, Ontem, Amanhã, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1950 : 177.
(9) Jaime CORTESÃO, «Estoril -- estância cosmopolita», Cascais e Seus Lugares, n.º 9, Cascais, Junta de Turismo de Cascais, 1956 : 28.
(continua)

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

domingo, 14 de outubro de 2007

catavento

Um catavento de Cascais, da casa que foi de João Gaspar Simões: a "Casa do Dragão".
Porque tem ela este nome, a seu tempo direi.
Foto de Guilherme Cardoso

Sob o Signo do «Dragão da Crítica» - Romancistas, Poetas, Ensaístas e Historiadores em Cascais* (1)

Por razões pouco compreensíveis, o património literário tem sido o parente pobre dos estudos de história local. (1) No caso de Cascais, essa debilidade é particularmente evidente. Os literatos que o concelho ofereceu ao país não se distinguiram pela notoriedade post mortem, apesar do brilho das suas obras e/ou personalidades, amplamente reconhecidas pelos coetâneos. José da Cunha Brochado (Cascais, 1651 -- Lisboa, 1733), por exemplo, notável diplomata e académico, memorialista e epistológrafo, foi lentamente recuperado durante o último século -- recuperação quase milagrosa, dado o estado de dispersão em que se encontra o seu acervo, em grande parte ainda inédito. José Inácio Roquete (Alcabideche, 1800 -- Santarém, 1870) -- aliás, Frei José de Nossa Senhora do Cabo Roquete, depois de professar no convento de Santo António do Estoril -- politicamente reaccionário, miguelista exilado em Londres e Paris, onde auxiliou o Visconde de Santarém no monumental Quadro Elementar (1842-1854). Autor de uma obra vasta, disse quem a compulsou ser ela um exemplo da conjugação de «beleza literária» com a «substância doutrinal». (2) Da teologia e da história à didáctica e à tradução, estará hoje quase toda irremediavelmente datada -- o que não impede que, pelo menos dum ponto de vista local, conheçamos as suas linhas de força, por exemplo através duma antologia. Trata-se de um imperativo. O mesmo se passa, de resto, com o ensaísta, poeta, professor da Faculdade de Letras do Porto e membro da «Renascença Portuguesa» (3) Luís Cardim (Cascais, 1879 -- Porto, 1958), grande mestre dos estudos shakespeareanos em Portugal, remetido para um limbo de que urge resgatá-lo. (4)

Ferreira de Andrade (Lisboa, 1910 -- Cascais, 1970), olisipógrafo emérito (5) e não menos conspícuo cascaleógrafo (!), constituiu-se como notável excepção, referenciando no Cascais -- Vila da Corte (1964) mais de 30 autores, de Ibn Mucana a Carlos Malheiro Dias, não se limitando, em alguns casos, a compilar referências, mas também a dar conta de investigação própria e publicação de fontes.

Esta comunicação algo errática pretende levantar pistas e incentivar a descoberta do patrtimónio imaterial de Cascais, produzido pelos seus naturais ou pelos que cá viveram e dessa vivência deixaram que as respectivas obras dela participasse.

(continua)


*Texto apresentado às Jornadas do Património de Cascais, no Centro Cultural de Cascais (Gandarinha), em Setembro de 2003.


Notas

(1) «São particularmente reduzidas as bibliografias sobre os patrimónios etnográfico e natural e inexistente qualquer orientação sobre o património linguístico e literário.» Jorge de ALARCÃO, Introdução ao Estudo da História e Património Locais, Coimbra, Instituto de Arqueologia / Faculdade de Letras, 1986 : 6.


(2)Pe. Miguel de OLIVEIRA, História Eclesiástica de Portugal, Mem martins, Publicações Europa-América, 1994 : 253.


(3) Alfredo Ribeiro dos SANTOS, A Renascença Portuguesa -- Um Movimento Cultural Portuense, Porto, Fundação Eng.º António de Almeida, 1990.


(4) Ricardo António ALVES, «Seis cartas de Luís Cardim a Roberto Nobre», Boca do Inferno, n.º 1, Cascais, Câmara Municipal, 1996 : 95-109.


(5) Fernando CASTELO BRANCO, Breve História da Olisipografia, Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa, 1980 : 65-68.

Frei José Inácio Roquete

(Alcabideche, 1800 - Santarém, 1870)
Fonte: Ferreira de ANDRADE, Cascais -- Vila da Corte

domingo, 7 de outubro de 2007

Guilherme de Faria

Faz hoje 100 anos que nasceu o poeta Guilherme de Faria
(Guimarães, 6-X-1907 -- Boca do Inferno, Cascais, 4-I-1929).
Ler aqui.

Uma evocação de João Vasco

Em Maio de 1966, o TEC (Teatro Experimental de Cascais) levou à cena a peça Mar, de Miguel Torga. Carlos Avilez convidara o autor para a estreia, mas este recusara: «a um ensaio-geral gostaria de assistir» -- recordou João Vasco -- evitando «tudo o que fosse "mundanice"».
Mirita Casimiro como "Maria Papolia"
«Nesse início de tarde, estando eu no [Hotel] Baía com a D. Mirita, vimos passar Torga, que momentaneamente parou para perguntar onde ficava o Teatro Gil Vicente. Uma das pessoas informou aquele senhor que, subindo na direcção daquele beco, lá iria ter, mas que vinha ali a D. Mirita que, certamente, ia para o Teatro.

Torga retratado por Pomar
Ao nosso encontro vem Torga, no seu passo apressado, com um rosto granítico, estendendo o seu enorme braço, que diz para Mirita: "Muito prazer em conhecê-la pessoalmente, minha senhora." Mirita olhou-o com aqueles grandes olhos, e contempla, da sua pequena altura, a figura imponente de Torga. Depois apresentou o rapazito que iria representar a sua peça... Encaminhámo-nos pelos becos, direitos ao Teatro Gil Vicente. Limitei-me a ouvir a conversa de Mirita e Torga. Falaram de Viseu, da dinastia dos Casimiros, de S. Martinho de Anta, do sol radiante que estava nessa tarde, etc. Torga fazia umas paragens, contemplando a parte antiga de Cascais, nessa altura ainda não destruída como hoje. [...]
Almada Negreiros
Ao chegarmos ao largo do Gil Vicente, surge o velho "carocha" Volkswagen acinzentado, com a figura simpática, extrovertida, simpática, sei lá... de Mestre Almada Negreiros [...] Torga deu o braço a Almada e entraram, na maior das boas disposições, no teatro.
João Vasco
Na sala de entrada do teatro havia uma certa desarrumação, pois todo o guarda-roupa, concebido por Almada, tinha ali sido concebido. Em cima de uma mesa estava a maqueta, construída pelo próprio Almada. Torga ficou deslumbrado e examinou com pormenorizada atenção, aquilo que viria, passados cerca de 15 minutos, a ver no palco.
Assisitram juntos a todo o ensaio. [...] Torga, no final, teve palavras muito simpáticas para todo o elenco e para o deslumbrante cenário do Mestre Almada. [..]
Teatro Gil Vicente
No dia seguinte, perguntei a Paula Almada Negreiros (filha do Mestre e de Sarah Affonso) por Torga: "Entrou no nosso carro, mal acomodado, e quis ficar junto da estação do Estoril, pois queria apreciar a paisagem até Lisboa ["]. Almada Negreiros seguiu para a sua casa de Bicesse. [..]»
João VASCO, «A propósito de Almada Negreiros e Miguel Torga em Cascais», Exposição Conjunta de Sarah Affonso e José de Alamada Negreiros em Cascais [catálogo], Cascais, Cãmara Municipal, 1996, pp. 21-22.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Da colecção egípcia do Museu Condes de Castro Guimarães



Seis pequenas peças do Antigo Egipto constituem a colecção do Museu Condes de Castro Guimarães.
Na fotografia, a de mais antiga datação provável (Império Novo), segundo o egiptólogo Luís Manuel de Araújo, que a estudou.* Trata-se de um escaravelho de faiança com 1,4 cm de comprimento, 1 cm de largura e 0,7 cm de altura, contendo em inscrição o nome do faraó Menkheperré (Tutmés III).
* Luís Manuel de Araújo, «A colecção egípcia do Museu Condes de Castro Guimarães», Arquivo de Cascais, n.º 13, Cascais, Câmara Muncipal, 2005, pp. 11-20.

domingo, 23 de setembro de 2007

Praia da Conceição

Uma das praias da minha infância, neste princípio de Outono melhor que nunca. As pessoas não se amontoam, estrangeiros compõem a paisagem, crianças brincam na areia, os meus filhos chamam-me a ver um cardume (!), com placidez, velas singram nas águas. Virado para a praia, no mar, à minha direita está, impante, a magnífica Casa Palmela; à minha frente, o seu sucedâneo, a Casa Faial (antigo Tribunal), continuo, dentro de água, a olhar para a esquerda: a velha Casa Mantero, agora um conjunto de apartamentos de luxo, a Casa Loulé (Hotel Albatroz), depois a Casa Seixas (Messe de Marinha), a esplêndida fieira de habitações da Avenida D. Carlos, até à Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, com a Cidadela dentro, volto-me sobre mim, completamente, na marina largam os barcos, outros estão fundeados ao largo.
O meu paraíso ainda existe.

sábado, 15 de setembro de 2007

3 poemas de Celestino Costa

Tanto livros tenho lido,

Eu não sei o que este tem,

Leio-o sempre comovido

Faz-me mal e sabe bem.

Tires, Out. 1989



***


Dentro dum velho, a brincar,

Anda a criança de outrora,

No prazer de recordar

Vai entretendo o agora.

Tires, Julho 1989



***



A VIDA


Eu gosto tanto da vida,

E logo me calhou em sorte

Passar parte dessa vida

No território da morte.

Tires, Março 1990


A Minha Terra e Eu, Cascais, Associação Cultural de Cascais, 1992



Um poeta popular




Celestino Costa, nascido na Abóbada em 1933, poeta popular, canteiro de profissão. É o último representante duma linhagem de artistas da pedra, iniciada pelo seu trisavô, Felismino Luís, também natural da mesma localidade. Trabalha, como profissional liberal, no Cemitério da Guia e noutros do concelho. Há décadas que executa trabalhos também para a minha família. Além deste A Minha Terra e Eu, sei que publicou mais uma colectânea poética, que desconheço, mas espero poder aqui referir proximamente.

Marcas de canteiro

Marcas de canteiro da família Costa
a de Celestino, em baixo (B) e a de seu pai, Eduardo e irmão mais velho, José, em cima (A)
in Guilherme Cardoso, «Os Costas -- uma família de canteiros», Jornal da Costa do Sol, Cascais, 13 de Março de 1997, p. 8.




quarta-feira, 5 de setembro de 2007

O Vinho de Carcavelos nas «Viagens Minha Terra»

Nas Viagens na Minha Terra (1845/46), Garret discorre sobre o gosto britânico pelos nossos vinhos, referindo-se brevemente ao Carcavelos, entre outros, designando-o primeiro por «Lisboa» -- tal como os ingleses faziam: Lisbon Wine. Queixava-se o nosso autor da preferência que os velhos aliados estavam a dar à «jacobina zurrapa de Borgonha»:
«[..] Quem tal diria da conservativa Albion! Como pode uma leal goela britânica, rascada pelos ácidos anárquicos daquelas vinagretas francesas, entoar devidamente o God save the King em um toast nacional! Como, sem Porto ou Madeira, sem Lisboa, sem Cartaxo, ousa um súbdito britânico erguer a voz, naquela harmoniosa desafinação insular que lhe é própria e que faz parte do seu respeitável carácter nacional [..]
O que é um inglês sem Porto ou Madeira... sem Carcavelos ou Cartaxo?»

Viagens na Minha Terra, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1976, pp. 37-38.

Sobre Garrett:
na blogosfera, O Divino Almeida Garrett, de Cristina Futscher Pereira, infelizmente já falecida;
e também na Wikipedia.

Sobre o Carcavelos:
na blogosfera, João à Mesa.

sábado, 4 de agosto de 2007

Cascaliana #2 - João Sarmento Pimentel

BREVE REFERÊNCIA AO MAR DE CASCAIS
NAS MEMÓRIAS DO CAPITÃO

João Maria Ferreira Sarmento Pimentel (Eixes, Mirandela, 1888 -- São Paulo, 1987).

Oficial do Exército, escritor memorialista, fidalgo republicano, Sarmento Pimentel é uma das mais apaixonantes figuras do século XX português. Oriundo da velha aristocracia nortenha, participou em alguns dos mais importantes lances da história de novecentos, com um papel de grande destaque. Não ainda na Rotunda, em 5 de Outubro de 1910, jovem cadete subordinado. Mas em 1915, na guerra de África contra os alemães, teve intervenção importante na reconquista de Naulila, sul de Angola, em 1915, comandando um destacamento luso-boer, e passa pelo inferno das trincheiras da Flandres. Em Portugal, tendo colaborado com Sidónio Pais, será o chefe das forças que põem fim à Monarquia do Norte, em Fevereiro de 1919. Membro da direcção da Seara Nova, será chefe de gabinete de Ezequiel de Campos no governo de Álvaro de Castro (1923-24). Após o 28 de Maio de 1926, está implicado no golpe do 3/7 de Fevereiro do ano seguinte, que lhe valerá o exílio, estando na origem do seu exílio no Brasil, onde deixará descendência.

Para além dos aspectos de vida intensamente vivida, Sarmento Pimentel foi um extraordinário escritor, como revelam as suas Memórias do Capitão, cuja primeira edição veio a lume no Brasil pelas mãos do então também exilado Victor Cunha Rego, em 1962. São páginas de grande riqueza estilística, saborosamente evocativas, de travo camiliano.

Num dos poemas que lhe dedicou, Jorge de Sena escreveu: «[...] / Assim, senhor, eu vos saúdo e digo / de como em vida me vivi honrado / com conhecer-vos e por vós ser tido / por digno de amigo e camarada / nas horas duras de se amar a pátria / com amor infeliz, como naquelas / em que de convivência ela renasce / tão pura qual nenhuma pátria humana: / é uma grã-cruz que vossa senhoria / colocou no meu peito e que mais vale / que quantas de vaidade só refulgem. / E pesa como séculos de História / qual em vossas memórias revive. / [...]» 40 Anos de Servidão, 2.ª ed., Lisboa, Moraes Editores, 1982, p. 180.

Dessas Memórias retiro um breve parágrafo em que, a bordo, o jovem alferes de cavalaria ruma a Angola, após o desastre de Naulila de 1914:

«Madrugamos para um último adeus à terra metropolitana, e a brisa do mar refrescou o convés ainda quente daquela noite de Junho, quando chegamos a Cascais.

Rompeu o "Cabo Verde" pelo mar fora, tão calmo e vagaroso como velho andarilho que já soubesse de cor e salteado o caminho a percorrer. Naquele dia perdemos de vista a costa e embicamos ao sul rumo da África, havendo apenas de anormal o barulho dos cascos dos solípedes no assoalho dos porões, muito aumentado quando o clarim tocou para a ração.»

Memórias do Capitão, Porto, Editorial Inova, 1974, p. 143.

Na net:Brasil/Portugal - Testemunhos/Encontros; Câmara Municipal de Mirandela

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Cascaliana #1 - Maria Archer


Nessa tarde, ao regressar do Estoril, Marietta sentia-se transfigurada. E leve de corpo, de ânimo, de ideias! Uma voz clamava no seu íntimo: Vida nova! Vida nova! Como que todo o universo comungava na sua alegria. O rodar do comboio, áspero e monocórdico, chegava-lhe aos ouvidos que nem som de fanfarra vitoriosa. No rio, as ondulações da terra, nos longes do céu, a luz desmaiava numa apoteose de cor. «É para mim, murmurava ela, toda esta cor é só para mim, só eu a vejo, é uma festa a que não vou...»


Ida e Volta duma Caixa de Cigarros, Lisboa, Editorial O Século, 1938, p. 9.

Maria Archer



Maria Emília Archer Eyrolles Baltazar Moreira (Lisboa, 4-I-1905-24-I-1982).


Maria Archer é uma das principais mulheres escritoras portuguesas, talvez a grande ficcionista da primeira metade do século. Senhora duma prosa segura e elegante, a que se acrescenta uma mundividência invulgar aliada a uma origem familiar da alta burguesia, que lhe proporcionou ilustração e cosmopolitismo, os seus livros reflectem a condição de mulher emancipada e feminista com um arrojo inusitado e arriscado para o seu tempo -- o que lhe valeria perseguições e apreensões das suas obras. Maria Archer, exilada no Brasil na década de 1950, será uma das vozes da Oposição ao salazarismo. Regressa depois do 25 de Abril, pobre e desiludida, resguardando-se num asilo até à sua morte.

Se nós, portugueses, tivéssemos mais brio no nosso património, a obra de Maria Archer não estaria, com duas excepções, confinada aos alfarrabistas. Obra que se estende pelo romance, contos, novelas, teatro, literatura juvenil e policial, ensaística, divulgação etnográfica, panfleto político, poesia... É autora, de parceria com Branca de Conta Colaço, das Memórias da Linha de Cascais (1943).

O prefácio de Gilberto Freyre a Herança Lusíada (s.d.)
Nota biográfica: Instituto Camões, de Dina Botelho
Na blogosfera: Olho da Letra


terça-feira, 3 de julho de 2007

Estoril Jazz 2007

Este está quase a começar.
Vamos ficar uns dias com o cartaz.
Mais informações aqui

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Um caso de família

Uma boa parte da minha família materna é de Cascais. Tive uma trisavó que viveu no Alto do Moinho Velho. Toda a vida aqui morei, entre Cascais e o seu termo -- onde está a antiga aldeia saloia do Cobre, a que há pouco regressei passado um quarto de século -- e o Estoril, «um mundo fora do mundo», como lhe chamou Jaime Cortesão uma década antes do meu nascimento, e que, cosmopolita e arejado, nesse ano de 1964 pouco tinha que ver com o resto do país. O Cemitério da Guia vai sendo, por sua vez, uma morada de família que surpreendentemente encaro de forma apaziguadora.
Este blogue é pessoalíssimo e não tem agenda. Nem interesse ou veleidades de intervenção cívica, o que não significa que não possa vir a tomar posição em favor de algo que lhe diga respeito e necessite ser defendido ou apoiado. Cá virei sem datas marcadas; somente quando me apetecer, ou tropeçar em algo que goste de partilhar. O que me importa é continuar aqui o que noutros locais fiz: encontrar-me no Cascais e no Estoril que me pertencem: o da escrita, do património, do jazz, do rock, da história, dos pescadores, dos reis, dos saloios, do mar, da minha memória e da dos meus neles.

Começa agora

D. Carlos I, Praia de Cascais (1906)
Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, Lisboa

 
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