sexta-feira, 23 de outubro de 2009

poesia de cascais #20 - José Jorge Letria



A TENTADORA VOZ

Passei ontem à porta da casa onde nasci.
Rés-do-chão, fachada de azulejos verdes.
Nada no interior me lembrou a minha
presença naqueles quartos
que foram os da felicidade de meus pais,
num tempo austero e inquieto.
Chamei, mas ninguém respondeu,
nem sequer o eco da minha voz distante
inquirindo ventos, marés e estrelas
sobre o destino dos seres amados.

Um homem pode desdobrar-se, multiplicar-se
até ao limite da imaginação.
Foi o que fiz. E lá estava eu suplicante,
ao colo da minha avó, a perguntar
se a morte tinha cor e cheiro
e se os lobos da sua aldeia longínqua
não eram tão temíveis como os das gravuras
dos livros que me assombravam as noites.

Eram os anos do pós-guerra,
da paz minguada pela tristeza dos dias.
Eu descia, apertando as mãos dos meus pais,
até ao centro da vila, e tinha, como sempre,
o mar em frente a chamar por mim
com a tentadora voz do que não tem nome.

4 comentários:

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

também António Cândido Alexandre trata a casa das origens no seu livro estâncias , e de forma mais profícua , no meu modesto entender -
cordialmente
_________ JRMARTo

Ricardo António Alves disse...

Caro Ribeiro Marto.
Obrigado pela sugestão. Mas tra-se do António Cândido Franco ou do António Franco Alexandre?

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Caro RRA , desculpe , são dois poetas que confundo , refiro-me António Cândido Franco...
Cordialmente
_________ JRMARTO

Ricardo António Alves disse...

Creio que sei qual é.
Obrigado.

 
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