Internacionalista, o autor de A Selva justificava de modo forçosamente subjectivo o apelo da terra natal, sentimento susceptível de causar algum desconforto a quem era avesso a exclusivismos e exaltações nacionalistas, mesmo quando reduzidas à expressão mais simples e primária do bairrismo.
A razão do desvelo para com a pobre aldeia que o viu nascer, onde conheceu a orfandade paterna aos oito anos, e que o obrigou a emigrar, só, aos onze, prendia-se com a recordação de uma infância mítica, de felicidade inventada. Assim o revelou, no fim da vida, num conjunto de textos que constituem uma espécie de testamento literário e político:
«O homem ama na terra natal os seus hábitos, se ali reside ou residiu muito tempo; ama a sua casa e o seu agro, se os tem; e ama, sobretudo, a sua infância, que lhe comandará a vida inteira e se amalgama com o drama biológico do envelhecimento e da morte. Ama esse período da sua existência por saber que jamais voltará a vivê-lo; e essa certeza de irrecuperabilidade embeleza-lhe o cenário e valoriza-lhe os anos infantis, mesmo se neles conheceu a miséria, os trabalhos prematuros, as opressões e as humilhações impostas pelos adultos.» (1)
(1) Ferreira de Castro, «A aldeia nativa», Os Fragmentos (Um Romance e Algumas Evocações), Lisboa, Guimarães & C.ª [Editores], 1974, p. 45.
Boca do Inferno, #3, Cascais, Câmara Municipal, 1998, p. 92.
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