domingo, 28 de setembro de 2014

linhas de Cascais -- Carlos Querido

«No dia 4 de Novembro do ano de 1715, aguardava-nos o mar inquieto, agitado por uma forte nortada, rasgado por ondas que se despenhavam na praia de Cascais com estrondo e espuma. Transido de frio e de medo, o mestre da embarcação de pesca Aurora tirou respeitosamente o barrete, que apertava nervoso entre as mãos calejadas, enquanto balbuciava palavras desconexas sobre o mar ruim e o perigo para a vida de Sua Alteza. Pareceu-me ver a mesma súplica no olhar de D. Manuel Teles da Silva, mas o Infante foi inflexível, e seguimos viagem. A Virgem Santíssima nos guie, disse o mestre antes de embarcar, e todos os remadores se benzeram. Em silêncio, fustigados pelo vento e pela chuva, que começava a cair, escalávamos as ondas que se erguiam, abruptas, à proa, para nos despenharmos depois na sua passagem, num remoinho que parecia arrastar-nos para o abismo, evitado pela perícia dos remadores, rijos e hábeis, habituados à fúria do mar.»

A Redenção das Águas (2013)

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