quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

linhas de cascais - Miguel Real


Uma noite, na nossa casa da d. João III, reuniu-se o conselho de família, um dos irmãos do Hugo viciara-se no jogo da roleta do Casino Estoril, foi severamente admoestado, não só pelo pai como, sobretudo, pelos restantes irmãos, o Hugo, que acabara de receber a autorização do pai para assinar os cheques das empresas, humilhou o irmão, ordenou que se lhe retirasse o livro de cheques, a conta particular fosse saldada e obrigado a fazer penitência pública na sinagoga, trabalhando para a comunidade de judeus pobres -- vendedores de roupa, caixeiros-viajantes, sapateiros, a maioria asquenaze; [...] alegava ele, não teria mais de dezanove anos, que, cansado de estudar e trabalhar e antevendo a entrada breve para o serviço militar, e consequente partida para a guerra, quisera divertir-se, entretivera-se durante um mês com umas francesas que veraneavam por Cascais e tivera azar, perdera dinheiro, era verdade, mas também podia ter ganho, perdera uma fortuna, mas poderia ter ganho outra -- percebi nessa noite que a pressão da família do Hugo era rigorosa e severa, que todos tinham de orientar-se para o mesmo fim, ganhar dinheiro e não dar nas vistas, o irmão do Hugo perdera dinheiro e dera nas vistas, frequentando um Casino -- este o seu pecado; o pai do Hugo fora sincero, repreendendo o filho por ter humilhado o nome da família por toda a Lisboa e Cascais, frequentando antros nocturnos [...].
O Último Minuto na Vida de S., Matosinhos, Quidnovi, 2007, p. 69.

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