terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Linhas de Cascais - Rui Henriques Coimbra

No ano passado, fui com a minha avó. Ela andava desanimada com o número que a companhia lhe queria dar, depois de ter deixado a sua casa em Campo de Ourique. Agora instalada num andar no Monte Estoril, queria um número fácil de lembrar. Fácil de lembrar para os amigos e para ela, que já anda muito esquecida devido à idade. Quando fez a assinatura, queriam dar-lhe o 4681359, mas ela pôs-se logo a barafustar. Eram algarismos todos diferentes, quem é que ia conseguir-se lembrar daquela salganhada toda? A operadora da Telecom disse-lhe para não se desanimar. Por mais 30 contos podia ter direito ao sorteio de mais três números. A minha avó aceitou: 4682281, rejeitado porque no meio da harmonia dos números baixos havia um 8 a despontar, como um calo no pé: 4689826, que a minha avó detestou porque o 2 interrompia a descida simpática do 9 até ao 6, e o 4687991, momento em que ela foi aos arames porque podia ser o número perfeito se fosse 4687997. Foi nesse momento que se decidiu por ir ao leilão de números telefónicos comigo.

«O número da Sorte Grande», Linhas Cruzadas -- Antologia de Contos PT, Lisboa, Portugal Telecom, 2000.

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